Desejo, pensa-se, é o poder
motivo real da vida humana e eliminá-lo poderia ser parar as molas da vida;
satisfação do desejo é o único desfrute do homem e eliminá-lo poderia ser extinguir
o impulso da vida por um ascetismo quietístico. Mas o poder motivo real da vida
da alma é Vontade; desejo é apenas uma deformação da vontade na vida corporal e
mente física dominantes. O voltar-se essencial da alma em direção à posse e
desfrute do mundo consiste em uma vontade de deleite, e o desfrute da
satisfação de ânsias é apenas uma degradação física e vital da vontade de
deleite. É essencial distinguirmos entre vontade pura e desejo, entre a vontade
interior de deleite e a exterior luxúria e ânsia da mente e corpo. Se nós
formos incapazes de fazer esta distinção praticamente na experiência de nosso
ser, nós podemos apenas fazer uma escolha entre um ascetismo anulador-de-vida e
a grosseira vontade de viver, ou ainda, tentar efetuar um desajeitado, incerto
e precário compromisso entre eles. Este é, de fato, o que a maioria dos homens
fazem; uma pequena minoria despreza o instinto de vida e se empenha na busca de
uma perfeição ascética; muitos obedecem à vontade grosseira de viver com tais
modificações e restrições que a sociedade impõe ou que o homem social normal
foi treinado para impor à sua própria mente e ações; outros estabelecem um
equilíbrio entre austeridade ética e indulgência temperada do si de desejo
mental e vital, e vêem nesse equilíbrio o meio dourado de uma mente sã e uma
saudável vida humana. Mas nenhum desses modos dá a perfeição que nós estamos
buscando, o governo divino da vontade na vida. Desprezar inteiramente o ser
vital, é matar a força da vida pela qual a ampla ação da alma encarnada no ser
humano deve ser suportada; indulgir a vontade grosseira de viver é permanecer
satisfeito com a imperfeição; o comprometer-se entre eles é parar no meio do
caminho e não possuir nem terra nem céu. Mas se nós pudermos chegar à VONTADE
PURA não deformada por desejo, – que descobriremos ser uma força muito mais
livre, tranquila, firme e efetiva que a saltitante, sufocante, logo fatigada e
frustrada chama do desejo –, e à calma vontade interior de deleite não afligida
ou limitada por qualquer perturbação de ânsia, nós poderemos então transformar
a energia do ser vital, de um tirano, inimigo, assaltante da mente, em um
obediente instrumento. Nós podemos chamar essas coisas maiores, também, pelo
nome de desejo, se nós assim escolhermos, mas então temos que supor que existe
um desejo divino além da ânsia vital, um desejo-de-Deus do qual esse outro e
inferior fenômeno é uma sombra obscura e no qual esse tem que ser
transfigurado. É melhor manter nomes distintos para coisas que são inteiramente
diferentes em seu caráter e ação interior.
Desembaraçar-se a energia
vital de desejo e incidentalmente reverter o equilíbrio ordinário de nossa
natureza e transformar o ser vital, de um problematicamente dominante poder em
um instrumento obediente de uma mente livre e não apegada, é então o primeiro
passo na purificação. À medida que essa deformação da energia vital física é
corrigida, a purificação do restante das partes intermediárias da parte anatômica espiritual — a conexão entre o cérebro físico
e o Eu Superior — é facilitada, e quando essa correção é
completada, sua purificação também pode ser facilmente tornada absoluta. Essas
partes intermediárias são a mente emocional, a mente receptiva sensorial e a
mente ativa sensorial ou mente de impulso dinâmico. Todas elas estão unidas em
uma interação fortemente interligada. A deformação da mente emocional apoia-se
na dualidade inclinação e aversão, atração e repulsa emocionais. Toda a
complexidade de nossas emoções e sua tirania sobre a alma surgem das respostas
habituais da alma de desejo nas emoções e sensações a essas atrações e
repulsas. Amor e ódio, esperança e medo, tristeza e alegria, todos têm sua
origem nessa fonte única. Nós gostamos, amamos, recebemos bem, esperamos por
alegria em qualquer parte de nossa natureza, o primeiro hábito de nosso ser, ou
ainda um hábito formado (frequentemente perverso), a segunda natureza de nosso
ser, apresenta à mente como agradável; nós odiamos, temos aversão, medo,
repulsa de tristeza ou qualquer coisa que se apresente a nós como desagradável.
Esse hábito da natureza emocional entra no caminho da vontade inteligente e a
faz frequentemente um escravo desamparado do ser emocional ou pelo menos impede-a
de exercer um livre julgamento e governo da natureza. Essa deformação tem que
ser corrigida. Pelo eliminar do desejo no ser vital psíquico e sua
intermitência no ser emocional, nós facilitamos a correção. Pois então o apego,
que é o forte grilhão do coração, afasta-se das cordas do coração; o hábito
involuntário de atração-repulsa permanece, mas, não sendo tornado obstinado
pelo apego, ele pode ser conduzido mais facilmente pela vontade e inteligência.
O incansável coração pode ser conquistado e livrado do hábito de atração e
repulsa.
Mas então se isto é feito,
pode pensar-se, como em relação ao desejo, que isto será a morte do ser
emocional. Certamente será assim, se a deformação é eliminada mas não
substituída pela correta ação do ser emocional; a mente irá então passar a uma
condição neutra de indiferença vazia ou a um luminoso estado de imparcialidade
cheia de paz, sem nenhum movimento ou onda de emoção. O primeiro estado é de
nenhuma maneira desejável; o último pode ser a perfeição de uma disciplina aquietadora,
mas na perfeição integral, que não rejeita o amor ou evita vários movimentos de
deleite, este não pode ser mais que um estágio que deve ser ultrapassado, uma
passividade admitida como uma primeira base para a correta atividade. Atração e
repulsa, inclinação e aversão são mecanismos necessários ao homem normal, eles
formam um primeiro princípio de seleção natural entre os milhares de impactos
agradáveis e horríveis, saudáveis e perigosos do mundo ao redor dele. A inteligência
discernidora e a vontade iluminada inicia com esse material para trabalhar e
tenta corrigir o natural e instintivo por uma mais sábia racional e voluntária
seleção; pois obviamente o agradável não é sempre a coisa certa, o objeto a ser
preferido e selecionado, nem o desagradável a coisa errada, o objeto a ser
evitado e rejeitado; o agradável e o bom, têm que ser distinguidos, e a razão
correta tem que escolher e não o capricho da emoção. Mas isto ela pode fazer
muito melhor quando a sugestão emocional é recolhida e o coração repousa em uma
luminosa passividade. Então também a ATIVIDADE CORRETA DO CORAÇÃO pode ser
trazida para a superfície; pois nós descobrimos então que atrás dessa alma de
desejo embaraçada-em-emoção estava esperando todo o tempo uma ALMA DE AMOR E
LÚCIDA ALEGRIA E DELEITE, UMA PSIQUE PURA, que estava obscurecida pelas
deformações de raiva, medo, ódio, repulsa e não podia abraçar o mundo com um
imparcial amor e alegria. Mas o CORAÇÃO PURIFICADO é desembaraçado de raiva,
desembaraçado de medo, desembaraçado de ódio, desembaraçado de todo recolhimento
e repulsa: ele tem um amor universal, ele pode receber com uma imperturbada
doçura e clareza os vários deleites que Deus dá a ele no mundo. Mas ele não é o
fraco escravo de amor e deleite; ele não deseja, não tenta impor a si próprio
como o mestre das ações. O seletivo processo necessário à ação é deixado
principalmente à inteligência discernidora e a vontade iluminada e, quando a inteligência
discernidora e a vontade iluminada tiver sido ultrapassada, ao espírito na
vontade, conhecimento e Bem-Aventurança supramentais.
Sri Aurobindo